30 de out. de 2007

Garra

D. Marilena, carinhosamente chamada de Lena era a pureza e o altruísmo em pessoa. Teve dez filhos. Somente sete sobreviveram. Os outros foram “levados pela mão do Senhor”, como dizia ela para se conformar com a perda. D. Lena conheceu Seu Zé no dia do casamento. Antigamente as famílias “arranjavam” os casórios. Quando se firam no altar improvisado em uma das fazendas da família, foi paixão a primeira vista. Josevino ou Seu Zé ficou completamente estupefato pela beleza daquela moça que chamavam de Lena. Pela clara, olhos e cabelos castanhos claros, mãos fortes dos trabalhos da roça, pé largos de andar descalça, pernas grossas de tanto subir em árvores para pegar os cachos de banana da fazenda da família. A filha foi “perdida” numa rinha de galo. O pai de Lena apostou que se o seu galo perdesse a filha dele se casaria com qualquer filho pai do Seu Zé. Aí já viu, né? O galo perdeu feio. Foi tão feio que não sobreviveu aos ferimentos.
No casório, Lena estava transtornada. Não queria se casar sem conhecer o noivo, mas como era obediente, o vez sem contestar.
Os anos passaram. Lena e Seu Zé tiveram muitos filhos. Foram muito felizes. Todos ajudavam em tudo.

Certo dia. A colheita não era das melhores. Possuíam uma fazendinha que tinham ganho no dia do casório. Nessa fazenda eles plantavam de tudo.

Depois de uns 2 dias de chuva, a colheita voltou a florescer. Felicidade geral. Teriam como honrar as dívidas com o banco e principalmente teriam uma boa alimentação por um bom tempo. Os meses passaram. Nada de chuva. Apesar da rotação de cultura da fazenda, a seca é fatal. Aos poucos não tinha como replantar. O solo estava duro, seco, infértil. O pouco que restou estava prestes a das fruto. Certa noite, Seu Zé estará no quintal tomando a fresca e viu lá no meio da plantação uma claridade. Era fogo. Depressa gritou por todos. Precisava de toda a união da família para evitar uma tragédia, perder a única plantação que sobreviveu à seca.

Lena e as crianças correram para pegar as pás, enquanto seu Zé, movido pelo desespero foi de encontro ao fogo e começou a cavar a terra seca. Seu Zé gritava pedindo para a família fazer um círculo em volta do fogo e jogar a terra para que não se alastrasse. A poeira de terra seca tomou conta do ar. Mal conseguiam respirar, imagina enxergar.

Depois do fogo apagado todos se abraçaram, menos seu Zé. Este estava caído, desmaiado. Inalou muita fumaça e poeira. Mais que depressa levaram ele para casa e tentaram reanimá-lo. Limparam o seu rosto com pano embelecido em água limpa. Foram no celeiro e pegaram leite da Mimosa, pois sabia que leite é ótimo para desintoxicar. O corpo do Seu Zé estava coberto de bolhas, algumas partes do corpo estavam sem pele. D. Lena vendo tudo isso, chamou os filhos num canto e disse: Ô pai de ôcês não vai viver. Ele tá muito machucado. Não temos como curá ele aqui. O hospital fica muito longe...
Os filhos caíram em prantos. Foi um misto de desespero, resolva e adeus.

Passados uns 4 dias, Seu Zé faleceu.

D. Lena, se viu sem chão. Sozinha para cuidar de tudo. 3 dos seus 7 filhos foram para cidade grande, tentar arrumar emprego para mandar dinheiro pra ela. Claudivan, Roberval, Sandoval conseguiram trabalhar numa obra no Rio. Estavam construindo um hotel novo em Copacabana.

Sandoval era muito esforçado, logo conseguiu uma promoção, era fiscal de obras. Mandava religiosamente uma parcela do seu salário para D. Lena. Os outros 2 também conseguiram uma boa colocação, pois realizaram alguns cursos para melhorar o currículo. O dono da obra, vendo o esforço dos irmãos, deu uma oportunidade, que eles não deixaram escapar.

Certo dia, os filhos mandaram para ela, várias passagens de ônibus para a família toda ir para o Rio. D. Lena não pensou 2 vezes. Vendeu TUDO que tinha, reuniu a família e embarcou para o Rio. Qdo chegou D. lena não agüentou de felicidade. Os filhos estavam fortes e bem vestidos. Conseguiram comprar um terreno no subúrbio, pegado a um morro e estavam construindo uma casa boa para todos morarem.

No Rio a família ficou mais unida ainda. Sandoval já havia pensado em tudo. As crianças já estavam matriculadas num colégio público perto de casa. Os mais velhos, já tinham entrevista marcada nessa obra que o Sandoval era fiscal. D. Lena poderia ajudar na comunidade ensinando a fazer renda.

As coisas foram fluindo e tomando o rumo que eles jamais poderiam imaginar.

A vida sofrida do Sertão agora está fazendo parte do passado. Um passado trágico, pois perderam uma pessoa muito importante, o pai.

"Seu Zé, sempre estará no coração de vocês" dizia D. Lena para os filhos. "Graças à ele que nós estamos aonde estamos, que temos o q temos e que somos o que somos. Graças a ele aprendemos a ter garra e aprendemos a usar essa garra para o bem."